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12/02/2011

Azeitão: árvores, stands e beiras de estrada - por Rogério Vieira de Almeida (Arquitecto e Investigador Universitário)

I. Quem passa por estes dias em Vila Nogueira de Azeitão na Estrada Nacional nº 10, após a rotunda norte, vê uma nova plantação de árvores em execução. É à mão esquerda de quem segue para Lisboa na faixa de terreno junto à piscina municipal. São árvores baixas do tipo oliveira, com uma maturidade que se reconhece no retorcido do tronco. Ali estão a ser colocadas, sem folhas, parecendo destinadas a formar um conjunto escultórico. O conjunto poderá parecer mais uma paisagem lunar povoada de objectos - as árvores - afastados entre si, do que uma zona de árvores naturalmente em crescimento.

II. Apesar do tom levemente crítico do parágrafo anterior e da evidente artificialidade da plantação, há que reconhecer que esta é uma zona urbana. Não se está fora de povoação. É uma zona onde algumas construções recentes - leia-se últimas décadas - marcam fortemente o ambiente visual. Há 30 anos foi o edifício das Selecções, agora fábrica de vinhos, e nos últimos dez anos a piscina municipal, um supermercado com a sua panóplia de luzes, cores e anúncios que não querem passar despercebidos. Mais recentemente a rotunda também ela um sinal do urbano. É assim que talvez se compreenda a necessidade das formas naturais - árvores - agora plantadas assumirem algum protagonismo visual. Ou sejam distinguirem-se pela sua quase artificialidade, procurando analogias no mundo da arte pública, da escultura de madeira em grande porte. Para que não sejam abafadas pelo excesso de comunicação visual.

III. Mas essa recusa de serem umas árvores indiferentes traz outras implicações. As árvores, elementos naturais, são assim postas, também elas, numa posição de contribuir para o ruído visual do local, são mais um foco de atenção. No fundo tornam-se um acontecimento demasiado visível retirando naturalidade ao que mais natural devia ser. Depois aquela utilização de árvores baixas, sem folhas, deformadas e retorcidas pelo tempo quase a imitar esculturas levanta outra questão. Porque não é ali utilizada uma fila de choupos, ou outros, verdes, geradores de sobras e brisas de Verão? Talvez porque simplesmente é importante não retirar visibilidade aos edifícios públicos ali existentes. Não esconder nem piscina nem supermercado.

IV. Mais há frente na EN 10, em Brejos de Azeitão, dei-me conta de um facto curioso. Ali passo quase diariamente há quase vinte anos e um dia pus-me a contar o número de "stands" de venda de automóveis de beira de estrada. Já cheguei a contar quinze, creio que o número nunca foi inferior a uma dezena. Isto ao longo de pouco mais de quinhentos metros. A formação da beira de estrada de Brejos de Azeitão é, evidentemente, bem diferente da de Vila Nogueira. É uma frente de construções recente - sobretudo da segunda metade do século XX - que se foram alinhando ao longo de uma estrada nacional também recente. Mais atrás ou mais frente, variações em altura quanto baste entre um e três pisos, habitações, comércio, restaurantes, cafés, tudo parece envolto por uma atmosfera de passagem, misto de casas e pavilhões. É fenómeno comum a muitas estradas nacionais. Como imperceptível matriz comum os stands de venda, uns ao ar livre, outros acondicionados entre muros. Curiosamente um deles foi deslocado da área onde agora, em Vila Nogueira de Azeitão, se plantam as novas árvores junto à rotunda.

V. Brejos de Azeitão é, de há muito, uma povoação com a sua principal frente na EN 10. A solução de "embelezamento" na rotunda norte de Vila Nogueira de Azeitão é fácil. As construções estão ao longe, umas árvores, mais naturais ou mais artificiais, e tudo parece conviver com mais facilidade. Mas terá Brejos de Azeitão que continuar a ser umas construções anónimas atravessadas por uma estrada? Não se trata aqui de colocar mais um ou outro separador de trânsito, útil sem dúvida. Trata-se da possibilidade de transformar um ambiente, espaços de vida das pessoas, de embelezar no sentido menos artificial do termo. É, sem dúvida, mais difícil que pôr umas árvores como se fez em Vila Nogueira de Azeitão. Mas igualmente necessário.

Fonte: SetubalNaRede por Rogério Vieira de Almeida - 10-02-2011 12:22

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