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14/02/2010

Terras, camponeses e elites: Azeitão e a Arrábida à vista de Lisboa

A última crónica falava de um grupo de oliveiras à beira da Estrada Nacional 10 junto a vila Nogueira de Azeitão. Reagrupo aqui reflexões sobre a zona de Azeitão. A última povoação de um território que de Lisboa se estendia até à Serra da Arrábida, limite físico, geográfico e territorial.

Azeitão tornou-se, a partir dos séculos XV e XVI, um dos locais dos arredores de Lisboa preferidos por alguma nobreza e burguesia de Lisboa. O crescimento de Lisboa devido ao seu papel como principal entreposto comercial da expansão marítima, sobretudo depois do início do ciclo da Índia em 1498, a centralização da corte e da administração do estado que, depois dos primeiros séculos da nacionalidade sediados no eixo Lisboa-Coimbra-Porto, se centrava cada vez mais em Lisboa e nos territórios a sul das montanhas do sistema Montejunto-Estrela - Lisboa-Almeirim-Évora -, deram o mote para a formação e fixação de uma nobreza e de uma burguesia, cada vez mais urbanas, em Lisboa.


Depois o Tejo, como qualquer rio, era muito mais um ponto de união e de comunicação do que separação e propiciava um achegada rápida até às faldas da Arrábida. Finalmente a aprazibilidade da paisagem e do clima que conjuntamente com Sintra, fizeram de Azeitão um local um local de crescente procura.
A navegabilidade do Tejo estendia-se pelo esteiro de Coina até, pelo menos, à actual zona da Quinta do Conde e Negreiros. Documentos do século XV dão disso notícias seguras, e a casa do conde, junto à EN 10 na Quinta do Conde e destruída já depois de 2007 para construção de uma superfície comercial, que mostrava as suas paredes em contraforte inclinado viradas à várzea são também indicação de que ali as águas da actual ribeira de Coina inundavam toda a várzea.
Esta navegabilidade permitia que em uma ou duas horas de barco se chegasse de Lisboa aos arredores de Azeitão, acrescidos de meia hora de cavalo até ao local de destino. A Quinta do Bispo, perto da Aldeia da Piedade (Coina-a-Velha) e da qual apenas resta o nome, a Quinta da Bacalhoa, erigida, no final do século XV, por descendentes da família real e depois pertença de Braz de Albuquerque, filho de Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia, e o palácio dos duques de Aveiro são alguns dos mais claros exemplos desta relação entre Azeitão como morada sazonal da alta sociedade de Lisboa.

Para além da navegabilidade do rio, Lisboa tem o seu limite visual para sul marcado pela extensão da Arrábida que lhe fecha os horizontes. Azeitão e as faldas da serra são, ainda e em certa medida, território de Lisboa. De uma vê-se a outra sem dificuldade e, num dia de normal visibilidade, ainda hoje quase se sente o movimento e o formigar da grande cidade olhada de Azeitão. Pertencem a uma mesma unidade territorial, não abstracta, mas bem visível e concreta através desse sentido da visão.

Soube recentemente da iniciativa inter-municipal de preparar uma candidatura da Arrábida a património mundial. Mais do que o resultado da iniciativa em si, este poderia ser um momento para, de forma rigorosa e científica, se conhecer e estudar alguns aspectos relativos à forma como se foi fazendo, até hoje, a ocupação humana da zona da Arrábida. Vila Nogueira, Vila Fresca, Vendas de Azeitão, Aldeia de Irmãos, Oleiros, Aldeia da Piedade são locais que, em conjunto com algumas outras aldeias, formam uma unidade onde paisagem, arquitectura, modos de vida urbanos e rurais, pessoas e grupos se cruzam e ligam. Uma espécie de entidade implícita e até hoje pouco vista enquanto tal e cujo estudo seria da maior relevância para o conhecimento e valorização humano e patrimonial desta região.

In Setubal na Rede por: Rogério Vieira de Almeida (Arquitecto e Investigador Universitário)

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