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01/04/2010

Nacionalismo, economia e património: Portugal, o mundo e Azeitão


I.Há poucos dias recebi, no correio electrónico, uma mensagem onde se reproduzia um poema de Afonso Lopes Vieira com teor apologético e nacionalista. "Espectacular" era o adjectivo para a mensagem e poema incluso. Breves linhas para descrever o conteúdo. Aos vários povos que pudessem olhar para nós com sentimento de superioridade é dada uma resposta. Aos ingleses demos a Índia, ensinámos a nadar e o que era o chá, aos franceses introduzimos a arte da escrita e da literatura, e posto Napoleão a coxear, os americanos vimo-los ainda como peles-vermelhas nus e mostrámos as rotas do mar que depois cruzaram para as guerras na Europa, os alemães eram hordas bárbaras quando nós já éramos de sangue azul – nobre – latino e os nossos deuses do mar mais autênticos e valorosos que os míticos nibelungos, aos japoneses teremos ensinado a dar tiros de espingarda, dado a conhecer o mundo e a civilização europeia para eles desconhecida. No final termina-se dizendo que a um espanhol nem sequer se admite que possa sequer olhar para nós.

Estranha forma de afirmação de virtudes nacionais. Em Portugal tudo se sabia e os outros a nós tudo devem. Aparentemente deles, dos outros, nada aprendemos. Com grande vantagem para Portugal, a avaliar pelos resultados. Mais do que uma obra literária trata-se de uma peça de retórica nacionalista. E como tal com uma utilização que, em 2010, merece ser questionada e reflectida. O passado pode sempre ser remontado e refeito para efeitos vários. Vale a pena entender porque o fazemos e para quê. E se tirássemos os referidos povos, e os substituíssemos por egípcios, gregos e italianos? Como ficaria a retórica de exaltação nacionalista? De que lado ficaria o português? E a nós o que diria um brasileiro? Talvez nas palavras de Carlos Caetano Bledorn Verri, aliás Dunga, "Portugal é o Brasil B". Estranho elogio de virtudes, o de se ver como qualidade superior o não admitir que um ser humano, igual por definição não possa olhar para nós. Só porque é espanhol, só porque está mais perto. Ao contrário de Inglaterra que impôs a humilhação do ultimatum em 1890, Espanha limitou-se a reclamar direitos sobre o território português em duas ou três ocasiões de resto dentro daquilo que eram os códigos vigentes, aquilo a que hoje chamaríamos "direito internacional". Como Portugal também o tentou sobre a coroa espanhola.

II.
No final do ano passado, 2009, a conferência de economia Reuters/TSF teve como orador no final da manhã Vítor Constâncio. Mais de uma hora de caracterização da situação económica e financeira de Portugal. Aparentemente bem feita com recurso a indicadores vários, muitos dos quais pouco utilizados quer para o grande público quer públicos mais especializados. Com grande rigor e clareza, esteve-se perante um momento de elevado valor técnico e científico na forma como se expuseram os sucessivos dados e indicadores analíticos.

No entanto, no final, um dado ressaltou. Por entre os sucessivos indicadores e quadros, Portugal estava quase sempre numa posição "muito favorável" relativamente aos outros países da Europa e inclusivamente do mundo. Acima da média europeia, acima da França e Alemanha, a par da Itália e da Inglaterra, melhor que o Japão, foram o tipo de expressões que se foram ouvindo enquanto se expunham os sucessivos indicadores. Se assim é então fica a pergunta, porquê a situação actual? Não a de 2008-2010, mas a outra, a crónica, a que se estende de estrutural e conjunturalmente desde há várias décadas; desde 1973, 1961, 1940 ou 1910. Ou, numa outra dimensão desde o século XIX, o século XVII ou XV.

III.
Em Azeitão, na actual entrada de Vila Nogueira, está o Palácio dos Duques de Aveiro. Construído a partir dos anos 30 do século XVI, sabe-se pouco da sua evolução. A iniciativa da construção foi dos duques de Aveiro. Eliminada a Casa de Aveiro e confiscados em 1760 os seus bens por D. José I, o palácio seria ocupado até 1847 com uma fábrica de tecidos e em 1873 vendido a particulares. A sua posse encontra-se ainda hoje dispersa por vários proprietários.

É um edifício em processo de abandono e degradação há quase 200 anos. É a par da pérola da Bacalhoa a obra de arquitectura mais significativa de Azeitão. É uma das poucas iniciativas em Portugal de construção de um grande palácio cortesão fora da capital ou de uma das grandes cidades do país (Lisboa, Porto, Évora). Apenas em Vila Viçosa a Casa de Bragança conseguiu entre o século XVI e o século XVII levar a cabo uma empresa semelhante. É um palácio em "U" à imagem de vários que a partir do século XV se fizeram em Itália.

Em espaço aberto, fora da povoação, olhando os horizontes, e possuindo à sua frente uma praça própria, uma plateia de onde as pessoas podem olhá-lo. É um edifício de características singulares no país e, consequentemente, no concelho. Muito falado mas pouco estudado, a abandono e a degradação confirma apenas o que o pouco conhecimento denúncia: desinteresse e incómodo por estas pedras velhas.

IV. Fala-se das grandezas passadas sem que, com isso, se perceba melhor o estado do presente. O passado interessa, sobretudo, para que o presente se entenda. E não de uma forma estática. Não se trata tanto de "entender quem somos", um cliché como tantas vezes se propala. Talvez se devesse mais pensar no que se quer e pode ser. Como devemos intervir e agir no presente. Não para repor passados mas para pensar e concretizar futuros próximos.

Por, Rogério Vieira de Almeida (Arquitecto e Investigador Universitário) em “Setúbal na Rede” 31-03-2010

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