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02/01/2010

Da Arrábida a Manhattan

No número 257 da Bleeker Street (Greenwich Village, Manhattan), está estabelecido o Murray's, "gourmet" de queijos que se declara o mais antigo de Nova Iorque. Na tábua de celebridades, entre gorgonzolas e roqueforts, verdadeiro luxo são uns pequenos embrulhos de 250 gramas com uma estampa a dizer: "Queijo de Azeitão - produção artesanal. São quatro vezes mais caros do que comprados ao quilo na origem, e estão entre os mais caros do mundo. Cada queijinho custa 20 euros e também se encontram noutras cidades americanas, Boston, Filadélfia, Washington, ou em países como Canadá, Grã-Bretanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suíça.

A origem e o segredo veio das beiras há dois séculos, 1830, pela mão de Gaspar Henriques de Paiva, pai de um tio trisavô do lado do pai de Soares Franco, que vem para Azeitão e dedica-se à agricultura. Gaspar Henriques de Paiva, era de Monsanto, ao pé de Castelo Branco e por razões nostálgicas mandou vir um rebanho de ovelhas e um pastor, que começou a fazer queijos.
Era um queijo tipo serra, com mais de um quilo, mal supondo ele estar a dar origem a um dos mais apreciados queijos de ovelha nacional, o Queijo de Azeitão.

O queijeiro mais tarde viria a partilhar os seus ensinamentos com as gentes da vila e do povoado vizinho, que se foi transmitindo a sucessivas gerações de queijeiros artesãos, que deram a fama ao tão apreciado Queijo de Azeitão, felizmente ainda hoje bem presente entre nós.
Em 1914, inicio do século XX, a Quinta de Camarate, é comprada pela família Soares Franco descendentes do pai do Queijo de Azeitão, Frederico Franco de Paiva.
Fernando Porto Soares Franco, dedicou toda a sua vida ao estudo e historial do Queijo de Azeitão, tende tido um papel fundamental na sua valorização e no início do processo de reconhecimento da Denominação de Origem.

Segredos e saberes do Queijo de Azeitão……

A três quilómetros de Vila Nogueira de Azeitão, a quinta começa junto a umas oliveiras cuja idade deve ser de mais de mil anos, pois nem dois homens as abraçam. Subindo por um caminho de terra, entre vinhas e pastagens, até ao casario: encontramos a queijaria da Quinta de Camarate.

Aberta a porta, respira-se um ar acre, que se entranha. É tudo branco, paredes, tecto, chão.
O chão acumula a humidade - e anda-se literalmente sobre água. Chegando à sala onde o futuro Azeitão ganha forma, um não comedor de queijo cairia fulminado pelo cheiro a coalhada. Tudo continua a ser imaculadamente branco, até à bata, ao barrete e às botas de borracha de José Vinhas, 47 anos, queijeiro de dois calos na base de cada polegar, de tanto prensar para dentro da forma, queijo após queijo. Ana, 41 anos, sua mulher, limpa a cuba de 100 litros onde o leite esteve num banho-maria de sal e flor de cardo misturada com água. Mais não leva o Azeitão.

O Zé Vinhas é de Trás-os-Montes e veio há 17 anos, começou por aprender o modo de saber fazer queijo com o antigo queijeiro Mário Padanha mais conhecido por “Ti Mário”, que também a outros, ensinou.
Sendo um trabalho de sete dias por semana, o Zé Vinhas começa às 6h e trabalha até às 16h. Segundo as regras da União Europeia, o queijeiro não pode tocar em nada enquanto está a mexer no queijo, até as torneiras são accionadas com o pé.

O leite é analisado todos os dias. O grande segredo é a qualidade do leite. Tem que estar perfeito. Vem da ordenha por uns tubos até um depósito de refrigeração na sala ao lado desta, onde fica a dois, três graus. Depois é despejado para a cuba.

A solução de cardo e água fica previamente de molho, os cardos altos da Serra da Estrela, na Arrábida, em Serpa, dá-se em zonas muito calcárias. A flor de cardo é decisiva: tem a enzima vegetal que faz o leite coagular.
Junta-se aqui tudo na cuba durante 45 minutos a 32 graus. No fim tira-se o soro e a pasta sólida vai para cima da francela (a espécie de mesa metálica onde José Vinhas pressiona a massa coalhada), e dá-se forma nos acinchos (formas). Cada futuro queijo é espremido três vezes, com intervalos para repouso. O soro que vai saindo é aproveitado para manteiga, quando se lhe tira a nata, e finalmente para requeijão.

Tal como noutras queijarias, em Camarate faz-se um pouco de manteiga, que neste momento não se comercializa por não ser pasteurizada. Sendo de leite cru de ovelha, ainda está à espera de certificação.

Das mãos de José Vinhas, as formas seguem para a primeira câmara de cura. O mostrador da porta hermética indica 93 por cento de humidade ("é quase chuva") e 11 graus de temperatura. Aberta a porta, lá estão centenas de queijos arrumados por prateleiras, num percurso de serpente, da direita para a esquerda, desde os mais recentes aos mais antigos. Os mais antigos já estão menos húmidos, mais amarelos e têm uma cinta de gaze. Aqui dentro, os queijos cumprem um ciclo de "15, 16 dias". Têm de ser lavados e virados todos os dias.

A segunda câmara, a de encascar, é semelhante, mas menos húmida e mais quente. Já cheira a queijo-queijo, e os queijos já são amarelos e têm casca. Aqui ficam dez dias. Acabam de fermentar por dentro." Saem para ser vendidos. Ao todo, desde a ordenha até ao mercado, são 26 dias. Por lei, têm que ser pelo menos 21, mas dar mais um bocadinho, que ficam mais saborosos.
Uma amostra segue para a câmara de provadores, que semanalmente verifica a qualidade de todos os produtores de Azeitão. É a última etapa.

As 130 ovelhas de Camarate são ordenhadas mecanicamente de manhã, às 6h30, e de tarde, às 16h30. Na sala de ordenha, há 40 boxes, cada uma com um recipiente em baixo onde se mete a ração e como são gulosas vêm e ficam logo trancadas por uma espécie de torniquete, enquanto o leite é tirado.
Se o segredo é o leite, espera-se das ovelhas que dêem muito e bem. A média na Quinta de Camarate anda por volta dos dois litros e meio por dia. São autênticas máquinas de dar leite. Dão leite assim que têm o primeiro borrego, normalmente aos oito, nove meses. Borregas que nascem em Dezembro estão a dar leite lá para Outubro. Num bom ano estas ovelhas poderam dar 16 mil queijos.

Controlo e certificação….

Em 1984, os queijeiros decidem unir-se em defesa da sua produção. Surge assim a Associação Regional dos Criadores de Ovinos da Serra da Arrábida (ARCOLSA) que vê a primeira recompensa do seu esforço com a constituição, dois anos depois, da Região Demarcada do Queijo de Azeitão, abrangendo assim os Concelhos de Palmela, Setúbal e Sesimbra.

Em 1993, é constituído o Agrupamento de Produtores de Queijo de Azeitão, APQA, que toma posse da Denominação de Origem Controlada, Queijo de Azeitão. Logo no ano seguinte, inicia-se a certificação do queijo, hoje a funcionar em pleno. Desde então, cada unidade comercializada é acompanhada de uma marca de certificação correctamente numerada e identificada, garantindo a qualidade e notoriedade do produto, único no Mundo.

A partir de Abril de 2003, a ARCOLSA assumiu a competência de atribuição do uso da Denominação de Origem Protegida (DOP) «Queijo de Azeitão».
O processo de Controlo e Certificação iniciou-se oficialmente em 1994, desenvolvido primeiro pela ARCOLSA e desde Novembro de 2001 a Dezembro de 2004 pela Origens da Terra. Desde Janeiro de 2005 é feito pelo SATIVA, Desenvolvimento Rural, Lda., Organismo Privado de Controlo e Certificação de Produtos do Mundo Rural.

Desde sempre é feito um controlo rigoroso através das condições higiénico-sanitárias de maneio e ordenha das explorações produtoras de leite e da verificação do estatuto sanitário dos rebanhos. O controlo nas queijarias incide na verificação das condições higiénico-sanitárias e tecnológicas de fabrico, sendo realizadas análises físico-químicas e microbiológicas regulares ao leite e ao queijo.

O controlo da qualidade do produto final e a aferição da manutenção das características do Queijo de Azeitão, tem lugar na realização regular de provas organolépticas ao queijo, o qual é submetido em painel de provadores à avaliação das características exigidas por um grupo altamente qualificado e completamente autónomo.



In Público
Alexandra Lucas Coelho e ARCOLSA

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