Assine já a nossa NEWSLETTER

01/09/2010

Azeitão (Mercado Mensal)

Vestida de cor-de-rosa, a mulher vê-se ao espelho e parece gostar do conjunto. Conferencia com o marido, pede opinião à filha e retira-se para o interior da carrinha, sala de provas desta boutique com tectos de lona e chão de terra. É domingo em Azeitão e no mercado não há paredes para esconder a vaidade. N'O Cantinho da Moda, propriedades de um casal de feirantes de Vila Viçosa, vendem-se fatos à medida de cada cerimónia, paredes meias com bancas de couve portuguesa, mel do Algarve, alguidares de plástico, roupa interior de 'nylon', saias da Floribella.

São nove e meia da manhã e o calor derrete em poucos minutos o bloco de gelo que refresca garrafas de água na venda que alguém improvisou num atrelado. "Eu tenho a moda hoje", grita a cigana das camisolas Lacoste, abrindo as hostilidades. Do outro lado do corredor de pó sai outra voz estridente: "Ai, ai! É de marca..." E o cheiro dos pêssegos do homem que vende fruta mistura-se com a primeira leva de coiratos quando outro homem sai com um galo numa caixa que diz 'Sonasol'.

Estaciona-se longe em Azeitão a cada primeiro domingo do mês. Jipes, carrinhas de caixa aberta, automóveis de matrícula estrangeira, bólides de último modelo competem entre si por um lugar à porta daquele que é um dos acontecimentos mais concorridos da região, mas quem ganha na competição do estacionamento são as motorizadas, com a Famel, à cabeça. Um casal de 'soissante-huitards' chega ao parque com um atrelado de madeira e consegue lugar a um passo da entrada. Ela compõe a blusa e penteia-se com um pente azul. Ele desliga o motor e recebe o pente dela. Vão entrar na feira de braço dado. À porta, cruzam-se com uma mulher que sai com três peixes coloridos dentro de um saco de plástico.

Manuel, Jerónimo e José Luís não foram ao mercado para comprar nem para vender, porque "acabaram com o gado aqui". Lamentam. Manuel, Jerónimo e José Luís foram ao mercado "para pôr a conversa em dia" e alguns levaram o melhor fato. Conversam e riem à sombra de uma camioneta carregada de fardos de palha de trigo que um homem que não ri vende a dez euros cada. Jerónimo Peralta é pastor e já teve um "rebanho de 200 animais". Diz que se desfez de muitos "por causa do reumático". Agora tem uns vinte e há-de ir pastá-los mais tarde, quando o "calor amainar". Vive na Azoia perto do Cabo Espichel, onde a mulher tem uma queijaria e os dois fazem queijo fresco que vendem de semana no mercado de Sesimbra e aos fins de semana na lagoa de Albufeira.

Jerónimo é pastor "de gado para leite", como o pai foi e o avô já era, mas nunca produziu queijo de Azeitão. "Dá muito trabalho", justifica, desfiando um nunca acabar de normas de higiene e segurança. Fala e os amigos fazem coro com ele. Reunem-se à volta de Manuel Castelo, outro pastor, que conversa com ar de escarninho, sempre apoiado no cajado. Tem rebanho, como Jerónimo, "para os lados de Fernão Ferro". Umas 80 cabeças, mas nenhuma para leite. Jerónimo tem o gado mais perto do mar e gosta de o ver correr atrás das "cabeças de chorão", a flor que se dá por ali nas "terras mais vadias". Diz que é pastor desde que aprendeu a andar e diz isso como quem diz que não estranha a solidão. "Nunca conheci outra vida." Ainda houve tempos em que conversava com o "moiral da quinta ao lado", mas agora até essas conversas se acabaram. Por isso não lhe resta senão trocar o fato de andar no campo pela calça vincada e ir a Azeitão a cada primeiro domingo do mês.

Os homens ao seu lado fazem menos cerimónia com o mercado. "Por ali não há gado, mas sabe-se onde ele está", afirma Manuel Peralta. Os criadores conhecem-se uns aos outros, sabem quem tem o quê; os que estão dispostos a vender e os que podem comprar. Ali não se compra nem se vende gado, mas "combinam-se negócios para depois", acrescenta o pastor de Fernão Ferro. Eles conhecem-se uns aos outros, mas "quem os conhece a todos" é José Luís Figueiredo, o homem dos bigodes até ao queixo que compra "toda a lã entre Palmela e Alcochete" para depois a vender às "fábricas na Guarda". Umas cem tonelas por ano de lã que não tem a qualidade do merino, "a melhor espécie de ovelhas para lã". "Paciência", diz o coro de homens enquanto uma mulher sentada numa pipa de madeira lê uma folha de um suplemento de economia. Na zona da Arrábida, a "ovelha é saloia", boa para o queijo, mas "fraquita" na tosquia. José Luís não foi ao mercado comprar gado, mas, como os outros, entrou na esperança de fazer negócio.
por Isabel Lucas/In DN

Sem comentários: