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02/09/2010

O filho do comerciante do Cais do Sodré que revolucionou os vinhos de Azeitão

Foi por obra do acaso que José Maria da Fonseca foi parar a Azeitão há 175 anos. Já a produção de vinho, tanto tinto como moscatel, era a principal actividade lá da terra. Mas o empresário, que nem tinha ligações agrícolas, havia de se transformar numa referência do sector em que introduziu verdadeiras inovações: o marketing, por exemplo. Foram os primeiros passos de um autêntico império vinícola que hoje regista um volume de negócios de 22 milhões de euros, empregando 120 pessoas.

Mal sabia José Maria da Fonseca que iria deixar-se seduzir pelos encantos de uma propriedade na península de Setúbal. Os terrenos tinham sido dados como garantia de dívida ao Contrato dos Tabacos, uma empresa de vários nomes conhecidos de Lisboa em que se incluía o pai José António da Fonseca, um comerciante do Cais do Sodré. Foi na execução dessa dívida que José Maria visitou a propriedade, acabando por a retirar do monopólio dos Tabacos.

Era o início da reviravolta na vida da família. Já em Azeitão, José Maria da Fonseca atirou-se à produção vinícola, mas começou logo a deixar marca no momento em que a sua formação em Matemática o alertou para a organização das vinhas, que passou a plantar com mais espaço entre as fileiras, para permitir que a terra passasse a ser lavrada com mulas. As bestas haviam de substituir o homem, de enchada na mão, em 1840, e a ideia foi reconhecida por um produtor de Bordéus (região vinícola francesa), que falava em "revolução nos campos".

Mas não era tudo. Também a ideia de começar a exportar em garrafas agitou o sector dos vinhos em Portugal que, até então, apenas vendia vinho a granel para o estrangeiro. O sucesso da estratégia foi rotundo. As vendas dispararam. Já José Maria da Fonseca tinha lançado novas castas e dado grande visibilidade aos seus vinhos, através da criação de marcas específicas - Moscatel de Setúbal, Periquita ou Palmela Superior e aplicação de rótulos. A promoção dos produtos passava a conhecer uma nova etapa, até que 1884 assinala a aposta no mercado brasileiro, obrigando à aquisição de novas vinhas em Portugal. A partir de 1917, é reforçada a presença em Terras de Vera Cruz, tendo a empresa chegado a constituir um escritório no Rio de Janeiro (1920) para apoiar a rede de agentes que cobriam o país. As exportações para o Brasil ascendiam às cem mil caixas de vinho, entre Moscatel de Setúbal e Colares Viúva Gomes. Assim se explica que a crise do Brasil, com a revolução de Getúlio Vargas (1930), tenha acarretado problemas complicados de tesouraria, agravados pela a recessão económica mundial da época, à qual se sucedeu um ciclo de recuperação financeira, alicerçado no rosé, que perdurou até meados 1980, pela mão de António Porto Soares Franco, filho de António Soares Franco Júnior, enólogo diplomado em França e criador dos vinhos rosé Faísca (1937), que conquistaram o mercado interno, e Lancers (1944), um sucesso no Estados Unidos.

175 anos depois de José Maria da Fonseca ter iniciado um negócio de gerações, o descendente que desde 1986 assume a presidência da empresa percorre os corredores do museu, radicado numa casa apalaçada em plena vila de Azeitão, onde estão guardadas as histórias seculares, para mostrar o legado e garantir que não há tempo para parar. Refere-se à investigação feita no laboratório, à experimentação de novos produtos, à conquista de novos mercados. Lá fora e cá dentro.

"O que foi feito no passado tem muito que ver com aquilo que a empresa é hoje. Também lançámos novos vinhos, novas castas, inovámos no moscatel, com aguardente vinda de França que lhe deu um perfil totalmente diferente. E foi uma pedrada no charco naquilo que eram os moscatéis e até os vinhos portugueses dessa altura", recorda António Soares Franco, colocando a ressaca do 25 de Abril entre os maiores amargos de boca da empresa.

A crise económica que varreu Portugal não deixou margem à família que, em 1985, se viu na contingência de vender os 51% que detinha da empresa a um sócio americano. Os juros estavam a 35% e eram pagos à cabeça, condenando qualquer negócio. A ligação foi que- brada ao fim de 150 anos, mas esta história teve final feliz.

A venda da quota da família permitiu reduzir a dívida à banca e fazer frente a outras. O negócio prosseguiu, com a compra e reequipamento de adegas. Ganhou-se novo fôlego que permitiu nova incursão no mercado. A família comprou outras instalações e em 1996 teve uma proposta de compra do grupo britânico IDV, que detinha as instalações da José Maria da Fonseca. Não hesitaram. Recuperaram a empresa, de onde hoje saem mais de 30 marcas de vinhos.
por Roberto Dores/In DN 30/10/2009

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