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21/11/2010

Como se salva o mar

A rápida regeneração do único parque marinho português, na Arrábida, mostra que a protecção dos mares começa em... terra.

Luís Ribeiro (texto) e Gonçalo Rosa da Silva (fotos), Publicado na edição especial Visão Verde de 27 de Novembro de 2008

Há esperança no fundo do mar. Apenas três anos depois de algumas zonas ficarem interditas à pesca, o nosso único parque marinho, o Luiz Saldanha, uma linha de 38 quilómetros da costa, no Parque Natural da Arrábida, dá sinais de recuperação a vegetação marinha que serve de maternidade a centenas de espécies, e que se encontrava perigosamente despida, voltou a florescer. O primeiro passo está dado. Agora é uma questão de tempo.

"Temos verificado um aumento da biomassa ", garante Rita Costa Abecasis, 28 anos, uma das responsáveis pela monitorização daquela área, dentro do Biomares, um projecto de recuperação do parque dirigido pelo Centro de Ciências do Mar do Algarve. "Esse facto proporciona o crescimento do potencial reprodutor de toda a região. Mas, atenção, algumas zonas levam 30 anos a recuperar totalmente", acrescenta a bióloga marinha, da Universidade do Algarve.

A importância do Parque Luiz Saldanha ultrapassa largamente os seus 53 quilómetros quadrados. O fundo a sul da serra da Arrábida é um dos mais ricos da Europa (buscam aqui protecção para cima de 1 100 espécies, uma diversidade que apenas tem paralelo em duas outras reservas no Velho Continente). E é também a saúde deste tipo de costa rochosa que dita a renovação dos recursos dos oceanos. A sobrevivência e a disseminação de animais como as raias, os chocos, os sargos e os polvos dependem da sua capacidade de se esconderem no leito do mar, durante os primeiros anos de vida.

"As 'pradarias' desta zona estavam quase extintas. Apontámos baterias ao essencial ", explica Miguel Henriques, 40 anos, biólogo marinho do Parque Natural da Arrábida. Desde 2007, as equipas do projecto Biomares têm transplantado as plantas que constituem as pradarias e colocado grades para as ajudar a criar raízes, entre outras acções.

PESCA OU POLUIÇÃO?
O Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, aprovado em 2005, impôs um conjunto de limitações à circulação de barcos, incluindo a proibição total de pescar entre as praias da Figueirinha e do Portinho. Interditou também o recurso a artes de pesca de arrasto com ganchorra (espécie de ancinho) e a utilização de âncoras, que desfazem a vegetação do fundo do mar.

As medidas foram muito contestadas pelos cerca de 300 pescadores da região, que se manifestaram em 2005 e 2006. Na altura, punham em causa que a pesca fosse a culpada pela perda de biodiversidade apontavam o dedo à contaminação da cimenteira situada na serra e das indústrias junto a Setúbal. Para o biólogo Miguel Henriques, no entanto, não há dúvidas. "A poluição não é um caso grave na Arrábida.
O Sado inflecte para sul, daí que não afecte esta zona. Além disso, nota-se que os peixes adultos de espécies comerciais são em muito menor número do que os das espécies não comerciais. Se o problema fosse a poluição, o efeito seria idêntico em todos os peixes." Análises mensais apontam para uma excelente qualidade da água, na costa de Sesimbra. Hoje, com a vida marinha em plena regeneração, os pescadores parecem resignados.

João Lopes, 65 anos, dirigente da Mútua dos Pescadores de Sesimbra, mantém, timidamente, que as directivas do Plano de Ordenamento devem ser alteradas ("Porque não interessam à pesca"), mas prefere gastar energias a reivindicar mudanças no circuito comercial. "Nós comercializamos a sardinha, na lota, a 50 cêntimos o quilo; o peixe é depois vendido ao consumidor a preços entre cinco e sete euros. Acontece o mesmo com o carapau, com o peixe espada preto, com todos os outros o intermediário fica com a maior parte do dinheiro. Se este esquema fosse alterado, o pescador não precisava de fazer um esforço de pesca tão grande."

A informação é o ponto de partida para um bom entendimento. "Muita gente critica as proibições, porque não sabe o que se passa", diz Alexandra Cunha, 46 anos, coordenadora do Biomares. "Entretanto, os dados [que provam a regeneração no Parque Marinho] chegaram aos pescadores. E eles próprios já se aperceberam das diferenças. Os nossos inquéritos continuam a mostrar que eles estão contra a existência do parque, mas agora, paradoxalmente, também concordam que é importante."

OS OUTROS CULPADOS
Os peixes são, afinal, bem mais espertos do que habitualmente se julga. Mesmo dentro das pequenas subparcelas da reserva Luiz Saldanha, notam-se diferenças no nível de regeneração: as zonas com restrições mais apertadas mostram uma evolução mais positiva do que as outras, com menos limitações. "Os peixes percebem muito depressa onde estão seguros. É impressionante", comenta a investigadora Alexandra Cunha. "A proibição de pescar é absolutamente essencial." O sucesso desta experiência portuguesa não é assim tão surpreendente, áreas protegidas semelhantes têm dado resultados idênticos e igualmente rápidos. Nas dez reservas marinhas das Channel Islands, junto da costa da Califórnia (criadas em 2003 e ampliadas no ano passado), observou-se um boom na abundância de peixe. E as reservas, juntas, representam apenas 20% da área total de pesca nas ilhas.

Mário Diniz, 39 anos, da associação ambientalista Quercus para as áreas marinhas, concorda que a sobrepesca costeira tem um grande impacto, por romper o frágil equilíbrio do ciclo marinho. Mas, assegura, não tem a culpa toda. "A construção no litoral, que faz aumentar a erosão; as descargas de efluentes, que poluem as águas; as barragens, que não deixam os sedimentos correr naturalmente para o mar; os molhes, que não permitem a reposição de areias; a poluição sonora de algumas actividades de lazer, que afugentam os peixes. Tudo isto influencia a biodiversidade. Proteger os oceanos passa por defender a orla costeira e os rios." A importância da "terra" para as espécies marinhas é clara: 90% das espécies marinhas vive na costa ou depende dela em momentos-chave da sua vida. "São zonas de abrigo, de desova, de reprodução. Pressionar o litoral tem uma influência negativa enorme no alto-mar", alerta Mário Diniz.

MAIS CANAS QUE PEIXES
Um estudo da associação não-governamental WWF estima que a frota pesqueira mundial seja duas vezes e meia maior do que os oceanos conseguem suportar. Outro estudo, da FAO (Organização para a Agricultura e Alimentação, da ONU), conclui que 52% dos stocks atingiram o limite da sua exploração e que 24% estão já sobreexplorados. No Atlântico Norte subsiste hoje apenas um sexto do peixe que havia há cem anos. O bacalhau, de que Portugal é o maior consumidor do mundo, já se tornou numa das espécies em risco alguns cientistas temem que a espécie esteja a caminho da extinção. A protecção dos recursos marinhos é uma ciência recente. Só em 2002 se organizou a primeira conferência mundial sobre o assunto, em Joanesburgo, África do Sul. "Os compromissos relativos à biodiversidade dos oceanos têm poucos anos", lamenta Mário Silva, 45 anos, director do departamento de Conservação e Gestão da Biodiversidade, do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB).

Entretanto, a União Europeia definiu o alargamento da Rede Natura (áreas com interesse especial de conservação) ao meio marinho. Portugal possui a maior Zona Económica Exclusiva da Europa; logo, tem as maiores responsabilidades. Nesta altura, o ICNB encontra-se a recolher informação para entregar, até 2012, um conjunto de locais a preservar, seguindo uma directiva comunitária. Mas não se vai ficar apenas pela costa. "Estamos a fazer um esforço para desenvolver reservas marinhas nos Açores, em alto-mar", diz Mário Silva. Com os recursos praticamente dizimados nas primeiras 12 milhas da costa, onde grande parte da indústria pesqueira se costumava concentrar, as atenções dos pescadores e, claro, da conservação viram-se agora para as águas profundas.

A nefasta influência do Homem na vida dos oceanos excede as suas actividades directas, como a pesca ou a indústria. A escalada das emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa têm levado ao aumento da temperatura das águas, com consequências para a sensível base da cadeia alimentar marinha (como o plâncton). Outro efeito, talvez ainda mais grave, é a acidificação do mar, causada pela absorção de quantidades crescentes de dióxido de carbono. Estes dois factores estão na origem da contínua destruição de recifes de coral. E são um problema que, ao contrário das pescas, não se resolve por decreto...



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